Nasci
para ser importante. Primeiro me deram a cor azul (que eu adoro!), depois
fiquei sabendo que ganharia uma roupinha linda, toda em plástico transparente.
No princípio, eu não sabia por que iria precisar de uma roupinha, mas ouvi
dizer que era para proteger, não rasgar, não molhar. Mas o que vocês não
sabem é que eu iria ganhar um nome de uma criança. No início pensei que
seria a única, mas me contaram que tinha uma porção de meninos e meninas e por
isso precisariam de mais carteirinhas. Ufa! Eu não daria conta de tantas
crianças e também era bom saber que ganharia outras amiguinhas.
Então
chegou o grande dia, o dia em que ganharia um nome, mas não era um nome
qualquer. Era o nome da minha criança. E eu carregaria também o nome da mamãe,
do papai, da professora e de todas as pessoas que levariam minha criança para
casa.
Fiquei
muito empolgada, afinal se eu não estivesse presente a criança não poderia ir
para casa. Então chegou o dia que eu seria entregue a minha família. A Diretora
fez um discurso bonito para os pais e disse que eu era muito importante. E eu
sei que sou!
Fui
para a casa de minha nova família. Adorei! Fui tratada com muito respeito e
carinho. Fui colocada em um lugar muito especial e a mamãe disse para a minha
criança: “Olha não podemos esquecer a carteirinha, porque sem ela você não vem
para casa”. Eu percebi como era importante e todos os dias de manhã e à tarde
eu saía de casa e ia até a escola buscar a minha criança, no caminho encontrava
outras amiguinhas. Um dia ouvi uma mãe dizer que tinha esquecido sua
carteirinha, mas que não tinha problema. Fiquei sem entender. Achei
estranho, porque a minha mãe sempre me levava para a escola para buscar a minha
criança. Um dia eu não fui, pensei que era final de semana ou feriado, mas não era,
porque a minha criança tinha ido para a escola e eu não estava no meu lugar
especial, estava jogada em cima da geladeira... fiquei preocupada, como minha
criança voltaria para casa? Depois fiquei sabendo que deram uma tal de
autorização e a minha criança veio para casa. Na outra semana eu cai no chão e
me varreram para debaixo do sofá, não sei quanto tempo fiquei por lá, eu não
podia respirar direito com aquela poeira toda, eu via apenas o pé das pessoas
da minha família, tentava chamá-las, mas elas não me escutavam. Fiquei
tão triste que comecei a chorar, acho que fiquei até com depressão e quando a
mamãe estava limpando a casa me achou, mesmo assim já não me sentia tão feliz.
Não
sei, mas comecei a desconfiar que não era tão importante assim, porque a minha
criança ia e voltava da escola e eu ficava esquecida e aquela tal de
autorização sempre tomava o meu lugar. Comecei a achar que a minha família não
gostava mais de mim, que não se importavam muito comigo. E que eu não era tão
importante como a Diretora dizia. Às vezes a minha criança me achava e me
colocava dentro da sua mochila e eu ia para a escola e ficava feliz.
Um
dia me esqueceram na janela e naquele dia começou a chover muito, minha
roupinha de plástico não suportou tanta água e eu fiquei toda amarrotada.
Comecei a sentir um vazio muito grande e tive vontade que o vento me derrubasse
para dentro do bueiro e de lá eu não voltaria mais. Afinal, não gostavam mesmo
de mim! Foi quando minha criança me viu, me salvou e disse: “Mamãe olha a
carteirinha aqui! Tadinha, ela está toda molhada e com frio! Vamos cuidar dela,
dar uma nova roupinha e eu quero que ela vá me buscar na escola de novo”.
Nossa! Senti tanta felicidade, afinal carrego comigo o nome da minha
criança e não vou desistir dela. Eu sei que ela gosta de mim. Não sei quanto
tempo vou viver, mas sei que enquanto viver vou cuidar bem da minha criança,
como ela cuidou de mim. E sabem de uma coisa? A partir desse dia minha família
não me esqueceu mais.
Logo, logo nós vamos entrar de férias e eu também. Não vou mais para a escola,
mas é só por um tempinho. Na volta às aulas eu tenho certeza que também vou
voltar todos os dias para buscar a minha criança. E essa tal de autorização não
vai mais me substituir.
E a carteirinha sentiu, que o seu sonho seria realizado, totalmente, na volta
às aulas.
Iracema
Goor Xavier
27/07/2011